terça-feira, 8 de fevereiro de 2011


Santo Agostinho 

            
Santo Agostinho nasceu em 354, em Tagaste, província romana da Numídia na África e morreu em Hipona, também na África, em 430. Viveu e lecionou alguns anos em Roma e Milão. Voltou à sua terra natal onde escreveu, lecionou, foi bispo, administrou o patrimônio da igreja e exerceu as funções de juiz, uma vez que, desde Constantino, a autoridade dos bispos tinha sido considerada competente para resolver os processos civis.
Agostinho acreditava que o pensar racional fosse compatível com a verdade revelada por Deus e que, portanto, a filosofia pudesse servir à teologia. Ele foi o principal representante dessa forma de pensar e, através dela, procurou fazer o entrosamento das várias tendências da Patrística - à síntese que realizou, ele mesmo chamou filosofia cristã, sistematizando uma concepção do mundo, do homem e de Deus, que por muito tempo foi a doutrina fundamental da Igreja Católica.
Quando Agostinho se converteu ao cristianismo, já conhecia muito bem, principalmente através da leitura dos textos de Cícero, o pensamento clássico (néo-platônicos, néo-pitagóricos, epicuristas e estóicos). Também para ele, o pensar filosófico busca resolver o problema da felicidade: afirma que o homem não tem razão para filosofar, exceto para atingir a felicidade. Entendia que a filosofia não sai em busca do conhecimento da natureza do universo físico ou dos deuses, mas sim, do homem à procura da felicidade. Como o próprio Agostinho encontrou essa felicidade ou beatitude através da fé e da intuição e não pelo esforço intelectual, ele retoma o grande problema da Patrística - a conciliação entre a razão e a fé, entre a filosofia pagã e a fé cristã. Na verdade, seu maior empenho foi dar uma explicação racional aos dogmas cristãos.           
Agostinho conhecia as idéias dos céticos da Nova Academia platônica (Arcesilau e Carnéades) que, como já vimos, ensinavam que se deve duvidar de tudo e que só se pode conhecer o que é provável (probabilismo), sem absoluta certeza da verdade. Ele consegue vencer o ceticismo, aprofundando-o: se duvido, no ato de duvidar tenho consciência de mim mesmo como aquele que duvida - Se eu me engano, eu sou, pois aquele que não é, não pode ser enganado - não posso duvidar do meu próprio ser, tenho a certeza de mim como existente. Atingindo a certeza da própria existência através da dúvida, Agostinho antecipa Descartes, que formulou sua reflexão doze séculos mais tarde: cogito, ergo sum - penso, logo existo.
Essa primeira certeza fundamentou sua teoria do conhecimento e revelou a essência do homem: ser pensante em quem o pensamento não se confunde com a matéria. Seu modo de ver o homem como uma alma que se serve de um corpo, foi herdado de Platão através do conhecimento da doutrina do néo-platônico Plotino. No entanto, os platônicos e néo-platônicos acreditavam que a alma, para livrar-se das imperfeições, deveria destacar-se do corpo que a faz prisioneira. Agostinho ensina que a união da alma com o corpo, tendo sido criada por Deus, não pode ser um mal; que a alma é hierarquicamente superior ao corpo e tende a um fim que está além da ordem natural: tende a Deus, que é o seu princípio. Esse conceito é também platônico: lembremo-nos de que Platão acreditava que a terra não é o fim último da alma, senão que, após sua passagem pelo mundo natural, deverá voltar ao mundo das Idéias.
Agostinho distingue dois tipos de conhecimento: 1- aquele que decorre dos orgãos dos sentidos que apreendem os objetos exteriores - é mutável, temporal; portanto, não necessário; 2- o conhecimento das verdades imutáveis e eternas; portanto, necessário. Se considerarmos que o homem é tão mutável quanto as coisas que nossos sentidos percebem, donde virá o conhecimento da verdade imutável e necessária? Responde o filósofo: da iluminação divina. Outra vez encontramos Platão - na alegoria da caverna, o homem pode conhecer a verdade, porque um sol externo (a idéia do Bem) ilumina o mundo das Idéias.   
Para Agostinho, então, conhecer a verdade é possível, porque as Idéias, as verdades, estão presentes em nosso intelecto e Deus nos concede a graça de iluminá-las, para que possamos conhecê-las. Conceito difícil de ser entendido, aproxima-se dos conceitos platônicos da reminiscência e das idéias inatas; mas nosso filósofo cristão procura diferenciar os dois conceitos: as idéias não são inatas, mas presentes em nós como reflexos da verdade divina, como um presente que Deus nos oferece.
Como o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, tem uma presença da verdade que não é a Verdade absoluta que ele procura - esta presença da verdade, que é, ao mesmo tempo, uma ausência da Verdade absoluta, faz do homem um ser inquieto, à procura da luz infinita da Verdade absoluta. Agostinho foi o filósofo da inquietação humana, do homem como inquieto perene.
Como o pensamento humano descobriu a existência de Deus? De acordo com Agostinho, nada há no homem e no mundo superior à mente, mas a mente intui verdades imutáveis e absolutas, que são superiores à ela; portanto, existe a Verdade imutável, absoluta e transcendente que é Deus. Não podemos conhecer Deus na sua essência e d’Ele só podemos falar por analogia com aquilo que conhecemos. Novamente recorrendo a Platão, Agostinho incorpora o mundo das aparências e o mundo das idéias ao pensamento e à mística cristãos.
Deus está fora do tempo, é sempre presente; o mundo foi criado junto com o tempo e não no tempo - antes do mundo ser criado, não havia tempo. Deus é eterno, presente, fora do tempo. Antes de Agostinho, Deus era visto como um organizador do caos inicial. Bem diversa é a doutrina cristã do filósofo, para quem Deus é o criador de todos os seres, a partir do nada e como consequência do seu amor infinito.    
Agostinho também contesta o maniqueísmo (doutrina de origem persa, segundo a qual o universo foi criado e é regido pela luta entre dois princípios antagônicos com a mesma força: Deus, o bem absoluto e o Demônio, o mal absoluto); ele simpatizou, muitos anos, com essa doutrina e, já convertido, continuou preocupado com o problema do mal: se Deus criou o mundo, como pode existir nele o mal? Ele deve ser perfeito, pois a idéia de bem faz parte da idéia do ser. Deus não pode ser a causa do mal, nem a matéria pode causar o mal, porque foi criada por Ele. O mal, portanto, deve ser exatamente o contrário da idéia de Deus como aquele que é, isto é, o contrário da Idéia do Ser - o não ser. Se é não-ser, não tem substância, é apenas ausência do bem. Existe, portanto, um único princípio que criou e rege o universo: Deus. E os maniqueístas estão errados, supondo a existência de dois princípios com a mesma força. 
Outro problema de difícil resolução, abordado por Agostinho, foi o do livre arbítrio: depois do pecado original (antes o homem era livre, mas tendia naturalmente para o bem), o homem possuía o livre arbítrio, isto é, a possibilidade de escolher entre um bem maior e um bem menor, entre o bem e o mal e entre um mal maior e um mal menor. A vontade pode afastar o homem de Deus, fazendo escolhas erradas. Afastar-se de Deus significa ir para o não-ser, isto é, caminhar para o mal. Eis aí o pecado, que não é necessário e deriva, unicamente, da vontade do homem, nunca de Deus. Caminhando para o pecado, a alma decai e não consegue salvar-se sozinha - vem, então, a graça divina para dirigir o homem para o bem, sem, no entanto, privá-lo do livre arbítrio. Sem o auxílio da graça, exercendo o livre arbítrio, o homem poderia escolher o mal. Mas, segundo Agostinho, nem todos recebem a graça; apenas os predestinados à salvação a recebem das mãos de Deus. 
Esse conceito de predestinação, da dualidade dos eleitos e dos condenados é exposto em sua obra Cidade de Deus; nela, o autor descreve os homens no mundo, depois do pecado original (a vontade, movida pelo orgulho, distanciou-se de Deus): aqueles que persistem no erro de Adão e Eva, ou seja, no pecado, vivem na cidade dos homens, na cidade da terra, onde são sempre castigados; os que recebem a graça divina, os eleitos, constroem a Cidade de Deus e viverão para sempre, eternamente no Bem. Todos os fatos históricos negativos, como as guerras, o dilúvio e os impérios opressores, pertencem à cidade dos homens; os fatos positivos, como a arca de Noé, Moisés, os profetas e, principalmente, a vinda de Jesus ao mundo, são manifestações da Cidade de Deus.
Agostinho escreveu a Cidade de Deus, enquanto assistia os bárbaros destruírem o Império Romano; deu uma resposta ao paganismo romano que acusava o cristianismo de ter culpa nesse desastre - não foi um desastre, mas a mão de Deus que castigou os pagãos da cidade dos homens, para dar lugar ao cristianismo, arauto da Cidade de Deus.
A doutrina filosófica e teológica de Agostinho, elaborada no final da Antiguidade, exerceu enorme influência durante a Idade Média. Sua capacidade de aprofundar e ampliar a relação entre a filosofia antiga - principalmente platônica e néo-platônica - e o cristianismo, fez dele o fundador do platonismo cristão e o primeiro sistematizador da filosofia cristã.                          
Referências Bibliográficas
Santo Agostinho, in Os pensadores , vol.VI, Abril S.A., São Paulo, 1973.
Sciacca M.F., História da Filosofia, vol. I, Editora Mestre Jou, São Paulo, 1967.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

  Pensamentos ! Então Elias saiu de lá e encontrou Eliseu, filho de Safate. Ele estava arando com doze parelhas de bois e conduzindo a décim...